Série: Desmentindo Mitos sobre Dor e Cirurgia da Coluna Episódio 9 — “Hérnia de disco sempre volta depois da cirurgia” — mito ou realidade?

3 de novembro de 2025 | sem comentário | Categoria(s): Artigos

Poucos mitos geram tanto medo quanto este:
“Se eu operar minha hérnia de disco, ela vai voltar.”
Esse receio faz com que muitos pacientes protelarem o tratamento adequado por anos, sofrendo dores intensas, perda de qualidade de vida e, em alguns casos, até risco de lesão neurológica permanente.

Mas será que a cirurgia para hérnia de disco é uma sentença de repetição?
A resposta é clara: não.

O que realmente é uma recidiva de hérnia?

Chamamos de recidiva quando o mesmo disco operado sofre uma nova ruptura, extrusando novamente material discal que volta a comprimir o nervo.
Isso pode acontecer no mesmo ponto da cirurgia ou em outra região do mesmo disco.

É importante diferenciar recidiva de outras situações:

  • Hérnia em outro nível: a coluna possui múltiplos discos, e nada impede que outro disco degenerado venha a herniar no futuro.
    • Dor residual: algumas dores permanecem por tempo limitado devido à inflamação da raiz nervosa, mesmo após a descompressão eficaz.
    • Alterações degenerativas: artroses e sobrecarga facetária podem causar sintomas semelhantes, sem ser nova hérnia.

A taxa real de recidiva

Na literatura médica, a taxa de recidiva de hérnia discal após cirurgia varia de 5% a 15%, dependendo de múltiplos fatores:

  • Técnica utilizada (microdiscectomia, endoscopia, cirurgia aberta).
    • Condições do paciente (tabagismo, obesidade, sedentarismo).
    • Tipo de hérnia inicial (sequestrada, extrusa, volumosa).
    • Tempo de recuperação e cuidados pós-operatórios.

Isso significa que a grande maioria dos pacientes — mais de 80% — não apresenta recidiva.
E, entre os que apresentam, muitos conseguem novo tratamento minimamente invasivo, com bom resultado.

Por que as recidivas acontecem?

Alguns fatores aumentam o risco:

  1. Predisposição individual — qualidade do colágeno, genética, histórico familiar. 
  2. Fatores mecânicos — sobrepeso, má postura, esforço precoce na recuperação. 
  3. Tabagismo — prejudica a nutrição do disco e aumenta a degeneração. 
  4. Natureza da doença — discos muito degenerados têm menor capacidade de cicatrização. 

Ou seja: a recidiva não é causada pela cirurgia em si, mas pelas condições que cercam o paciente e a biologia do disco.

A evolução das técnicas cirúrgicas

No passado, cirurgias maiores deixavam cicatrizes internas que dificultavam reoperações.
Hoje, com a endoscopia de coluna e a microcirurgia, a remoção é mais precisa, preservando o máximo possível de tecido saudável.
Isso diminui a chance de instabilidade e facilita o retorno às atividades.

A filosofia atual é intervencionista e conservadora ao mesmo tempo:
retirar apenas o fragmento que causa compressão, preservando o restante do disco e da anatomia.

A importância da reabilitação

Depois da cirurgia, o corpo precisa de tempo para cicatrizar.
O período inicial exige cuidados: evitar esforços, seguir fisioterapia, recondicionar músculos estabilizadores.
Muitos casos de recidiva estão ligados a retorno precoce a atividades pesadas ou à falta de reabilitação adequada.

O paciente que se envolve ativamente no processo de recuperação — com exercícios direcionados, fortalecimento e mudança de hábitos — reduz drasticamente suas chances de recidiva.

O papel da expectativa realista

É preciso ser honesto: a cirurgia não “cura” o disco.
Ela remove o fragmento que está causando dor.
O disco operado continuará degenerado, mas pode permanecer estável por anos ou décadas.
O objetivo é restituir qualidade de vida e interromper a crise dolorosa.

Com essa clareza, o paciente entende que a cirurgia não é um milagre, mas também não é uma condenação.

Quando a recidiva acontece

Mesmo nos raros casos em que a recidiva ocorre, existem opções:

  • Novo procedimento minimamente invasivo, em casos localizados.
    • Tratamentos complementares para estabilizar a coluna (fortalecimento, bloqueios).
    • Em situações mais complexas, pode ser considerada a artrodese, embora seja exceção.

O importante é saber que recidiva não significa fim da linha.
Existem soluções seguras e eficazes.

Conclusão

Dizer que “a hérnia sempre volta” é espalhar medo sem base.
A realidade é: a maioria dos pacientes não tem recidiva, e os que têm podem ser tratados novamente com bons resultados.

A cirurgia não é um inimigo, é uma ferramenta.
O verdadeiro inimigo é o preconceito e o atraso em buscar a solução certa.


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